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JOGOS TRADICIONAIS E LAZER

Os estudos e pesquisas sobre Jogos Tradicionais no âmbito acadêmico são considerados tímidos na esfera dos cursos superiores de Educação Física e Esporte, embora existam diferentes instituições envolvidas com a temática a nível nacional e internacional. Sua relevância e importância tem sido ressaltada nos últimos anos em razão de sua diversidade, de seu caráter de inclusão, resistência e universalidade, apresentando outros modos possíveis de olhar e viver a sociedade e o ambiente, o esporte, as atividades físicas e de lazer.  O fenômeno ganha espaço e importância quando pensado em sua dimensão constituinte e estruturante para o movimento, principalmente sob a perspectiva de práticas não formais de educação física e lazer.

Por outro lado, o Lazer tem sido abordado pelas diversas investigações do grupo pelo viés filosófico, a partir do olhar da fenomenologia (Zimmermann, 2014) e da fenomenologia da imagem (Saura, 2014) entendendo que o fenômeno não dialoga somente com parâmetros do corpo e de atividades físicas, mas com modos de vida, anseios, formas de ser e de estar com o outro e com o ambiente, portanto, com a condição humana. Aproxima-se mais de um ideal (Bruhns, 2004), um estado e uma forma de ser, desempenhando um importante papel na vida das pessoas em geral, em sua multiplicidade e diversidade.

Desde 2010, a Escola de Educação Física e Esporte da USP avançou no debate destas duas temáticas correlacionando-as, adotando a perspectiva filosófica para a análise e com coletas de dados alinhadas ao método etnográfico. Realizou o I Seminário Internacional de Jogos Tradicionais e Lazer em 2012, que congregou renomados pesquisadores brasileiros, também da Ásia, da Europa e do continente Americano. Este seminário gerou duas publicações: uma nacional e outra internacional. Estas publicações foram distribuídas gratuitamente para os participantes do evento, bibliotecas universitárias e interessados no tema de todo o país e no exterior. Outros textos e artigos foram disseminados desde então, ampliando a discussão acerca do tema.

Em 2015, com a Rede Brasileira de Jogos Tradicionais ainda a ser criada, a Escola esteve presente nos Jogos Mundiais dos Povos Indígenas, acompanhando as discussões que envolvem os sujeitos deste conceito. Também participou do III Encontro Panamericano de Jogos e Esportes Autóctones e Tradicionais (III EPJEAT) em Palmas, TO, com representantes de dez países do continente Americano (Brasil, México, Haiti, Guadalupe, Panamá, Colômbia, Chile, Honduras, Peru e Argentina), 9 associações de Jogos Tradicionais, 7 Museus de Brinquedos e 16 Grupos de Pesquisa que representaram 21 estados brasileiros.

Ainda em 2015, a Escola recebeu integrantes da Federação Mexicana de Jogos e Esportes Autóctones e Tradicionais que apresentaram para a comunidade a experiência bem-sucedida deste país, onde a valorização dos Jogos Tradicionais, Lazer e modos de vida dos povos autóctones conduziu à obrigatoriedade do ensino destas manifestações no currículo da Educação Física escolar de todo o país.

No Brasil, a lei no 9.394 torna obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, desde 1996. Estes conteúdos devem ser ministrados no âmbito de todo o currículo escolar. Tem sido notório os desafios encontrados por professores, gestores e coordenadores pedagógicos na implementação destas temáticas, que incluem amplos elementos presentes nas tradições brasileiras.

Os Jogos e Esportes Autóctones e Tradicionais estão inclusos no vasto patrimônio de cultura imaterial do Brasil, porém, ainda não completamente identificados. O Grupo de Estudos PULA pauta a inclusão dos Jogos e práticas de Lazer dessas comunidades, foca no lazer de diversas realidades. No que tange as populações tradicionais brasileiras - indígenas, quilombolas, caiçaras, ribeirinhas – entre outras - existe um amplo percurso a ser percorrido, pois muitas das manifestações corporais de jogos e lazer correm à margem de outras manifestações – religiosas, por exemplo – mas são importantes expressões de um modo de vida e de salvaguarda de uma cultura.  

Com este diagnóstico e desafio colocado, no intuito de criar um diálogo necessário entre os Jogos Tradicionais, o Lazer e as comunidades tradicionais, organizou-se o segundo evento acadêmico em 2016.  Falamos deste lugar onde o tradicional está localizado na gestualidade atual – com elementos que atravessam tempos e espaços diferenciados, perdurando desde épocas remotas até os dias atuais – inclusive fornecendo bases sólidas para se pensar o esporte de alto rendimento. Na análise de materiais de pesquisa (Zimmermann, Saura, 2014) percebemos que estes jogos preservam elementos estruturantes da humanidade, dialogam livremente com as realidades locais e ainda, se reinventam a partir de sua estrutura profunda em práticas de lazer. São referências importantes não só para os envolvidos diretamente, mas para toda a humanidade, por fazerem parte de um sistema de imagens e repertórios comuns. O II Seminário Internacional de Jogos Tradicionais e Lazer congregou pesquisadores nacionais, representantes dos Jogos e Esportes Autoctones e Tradicionais do Brasil e representantes das comunidades tradicionais localizadas no sudeste – indígenas, quilombolas e caiçaras. Recebeu ainda uma dupla de professores da Colômbia, país que tem apresentado um trabalho significativo na salvaguarda e valorização dos Jogos Tradicionais, promovendo festivais em torno do tema e com boa experiência a ser compartilhada.

Com uma sólida parceria com a UNESCO na identificação e valorização destas manifestações, organizamos a segunda publicação sobre essas duas temáticas.

Em 2016 em diálogo com Professor Roland Renson, referência na área, visitamos o Sportimonium, um interativo Museu de Jogos Tradicionais. Também estivemos na China debatendo a temática entre Jogos Tradicionais e novas mídias.

Já em 2017, estivemos na 36 edição dos Juegos Recreativos Tradicionales de la Calle, realizado anualmente em Caldas, Medellin, Colombia. Ainda este ano, realizamos uma parceria com escola pública para realização de um Festival de Jogos Tradicionais.

 Devido à necessidade de situar o debate para a promoção destas práticas de Jogos e Lazer, em âmbito escolar e fora dela, dialogamos com as comunidades tradicionais. Um pais como o Brasil, com por exemplo, a maior diversidade de embarcações do mundo, não pode eximir-se de dialogar com populações ribeirinhas e caiçaras. Lévi-Strauss, em uma de suas últimas palestras em vida, reflete:  

"Por muito tempo um ato de fé, a crença em um progresso material e moral voltado a jamais se interromper sofre, assim, sua crise mais grave. A civilização de tipo ocidental perdeu o modelo que dera a si mesma, já não ousa oferecer esse modelo às outras. Portanto, não convém olhar para outros lugares, alargar os quadros tradicionais em que se fechavam nossas reflexões sobre a condição humana? Não devemos aí integrar experiências sociais mais variadas e mais diferentes das nossas, além dessas em cujo horizonte estreito por muito tempo nos confinamos? Posto que a civilização de tipo ocidental não encontra mais em seu próprio fundo com o que se regenerar e tomar novo impulso, pode ela aprender alguma coisa sobre o homem em geral, e sobre si mesma em particular, nessas sociedades humildes e por muito tempo desprezadas, que até época relativamente recente haviam escapado à sua influência?" (2012, 11)  

 

Neste sentido, o Grupo de Estudos tem a firme proposta de evidenciar aspectos culturais e humanos presentes desde tempos imemoriais até os dias de hoje. Consolida um importante canal de discussão e pesquisa, na medida em que apresenta um espaço de reflexão e análise de aspectos ainda pouco explorados no meio acadêmico.

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